sábado, 30 de agosto de 2008

Quem não tem colírio, usa óculos escuros...

" As linhas do edifícios parecem-lhe de uma clareza impecável; sua disposição ao longo da avenida, bem mais nítida que de costume. A luz declinante tinge as fachadas de tons alaranjados. Passou por ali dezenas de vezes, mas agora a visão daquelas construções inabaláveis lhe faz bem. Assim iluminadas, as paredes não são mais barreiras, são espelhos que só refletem os melhores ânimos. Um dia teve óculos escuros com lentes num tom laranja. Deixavam o mundo mais bonito. Usava-os sempre que podia, relutava em tirá-los a cada vez. Após algumas semanas de deleite, perdeu-os, sem saber onde, nem como. Desde então, teve outros óculos, claro, mas nenhum deles produziu o efeito desejado. Daí concluiu existir uma tonalidade específica para cada par de olhos. A cor é uma absorção, o que resta da luz depois de subtraída uma parte de suas ondas. Laranja = luz - azul, aritmética básica. A mistura de todas as cores é o branco. Superposição extrema, densidade absoluta. Para ela, conviria filtrar certo raio azul que torna o mundo um pouco frio de mais. Mas perder aqueles óculos não foi de todo ruim. Se os tivesse usado permanentemente, teria ficado habituada. A repetição teria diminuído o contraste." Céline Curiol in Voz sem saída

Um comentário:

Janis disse...

Precisamos encher a cara....

Jane.