domingo, 22 de novembro de 2009

Como se esconder de si mesmo

Nem sei como começar, a ferrugem tomou as engrenagens de meu cérebro e o pó toldou minha visão. Assim fiquei por deixar passarem meses desde minha última aparição por aqui, meses em que me neguei em pensar com clareza, meses em que não tive forças de ver meus sentimentos tomarem o corpo de palavras.
Por vezes diversas, a dor de admitir que nem tudo pode continuar como está é uma perspectiva tão insuportável que faz com que consigamos nos esconder de nós mesmos. Mas como se nosso tumulto interior é aquele que nos acompanha ininterruptamente?
Sei lá... São anos de luta contra essa mesma tendência e ainda caio nela com tanta facilidade que nem acredito quando volto a mexer essas engrenagens e tiro toda essa poeira do caminho.
É como uma cegueira ou uma surdez da qual não nos damos conta, daquelas que se espalham aos poucos, e vamos convivendo com ela, nos adaptando a ela de tal forma que fica difícil discernir o que estamos deixando passar, o que estamos perdendo.
Mas estou aqui de volta, não sei por quanto tempo e nem tenho certeza de em qual estado. Talvez o simples fato de formar algumas frases seja o deslumbre de uma chance de sair da zona de conforto e voltar a pensar...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

"E por falar em saudades..."

de Maurício de Souza

Está tudo muito bom, está tudo muito bem mas, de repente, uma melodia, um pôr-do-sol, uma fotografia, uma mesa posta, uma roupa que passa vestindo alguém... ou mesmo alguém que você nunca viu antes "te" lembra outra pessoa, coisas do nosso passado... e a saudade bate forte... e nos remete a emoções e sensações sentidas e... desvanecidas.
Quem já não sentiu? Só quem não viveu...
Minha primeira saudade sentida, dolorida, lembrada?...Acho que foi quando eu tinha mais ou menos uns 6 anos, tinha vindo morar em São Paulo e deixei em Mogi das Cruzes meus amiguinhos de infância, entre os quais a minha priminha Guiomar.
Ela era um nenenzinho bonito, mal começando a falar, mas eu gostava de ficar olhando para aquela bonequinha que andava. E a mudança me afastou dela.
Na casa nova, em São Paulo, não havia crianças. Nem menininhas como minha priminha...
E eu comecei a sentir uma imensa falta dela.
E pior: comecei a esquecer como era seu rosto.
Até que uma foto dela, salvadora, apareceu lá em casa.
E pude rever e matar a saudade. Que saciada, acabou ali. Já gravara o rosto da prima e já partia para outras amizades que chegavam...Outra saudade? Do meu pai. De quando ele estava vivo e saudável. Ainda não tinha partido mas não era mais o paizão atento, forte, a que eu me acostumara. Ficou durante muitos anos bem doente.E a saudade se dividiu em duas, quando ele se foi. Deixou poucos pertences. Durante a extensa doença, suas roupas e objetos pessoais já tinham sido doados. Mas sobrou um par de sapatos pretos, uma valise onde ele levava seus papéis e poesias e uma camisa ainda impregnada com seu cheiro. E eu me pegava procurando esses objetos, alisando a valise de couro preta, pegando nos sapatos usados e... cheirando a camisa onde ainda senti durante muitos dias, restinhos do cheiro cheio de lembranças do papai... Outra saudade? Foi depois da morte de minha mulher Vera Lúcia, num acidente de carro. Vera era toda alegria e vida... E foi um baque não ter mais aquela pessoa alegre, companheira, ao meu lado. Neste caso, já havia fotos e lembranças vivas: duas filhinhas gêmeas herdadas da Vera mas... e ela? Seu rosto alegre? Seus gestos largos? Daí, eu atravessava os dias e as ruas de São Paulo buscando rostos parecidos com o dela. Para matar, pelo menos, um pouco da saudade. Aqui ou ali encontrava alguém com seus traços... E me peguei mais de uma vez seguindo, com medo, de longe, essas pessoas. Houve uma vez que quase falei com uma moça, ali na Amaral Gurgel, sob o viaduto. Ia contar a história e me desculpar... Mas, na última hora, me faltou coragem. E a saudade ruim, de forte foi sumindo, substituída por lembranças boas, agradáveis... Depois foi a minha avó - a vó Dita - que se foi, com quase cem anos de idade. Mas mesmo com tanto tempo de vida, deixou saudade forte. Que eu matava buscando, na geladeira, de pouquinho em pouquinho, pedaços do doce de laranja que ela tinha preparado e mandado pra mim, dias antes de nos deixar... Mamãe também se foi não há muito tempo. Mas é impressionante como eu ainda sinto sua presença, sua proximidade, sua influência. Tanto que a saudade que sinto dela é como a de uma ausência temporária, de como se ela tivesse saído para uma viagem e estivesse ao alcance de um telefonema, de um recado a ser mandado. E talvez seja assim, mesmo... Outras saudades? Lógico que de namoradas, de mulheres que me amaram e foram amadas. E que se afastaram pelos descaminhos da vida. Mas não tanto que suas lembranças não permaneçam como um legado de que o que vale, na vida, é amar. É ter calor, carinho, ternura para oferecer. E manter as lembranças desses momentos. São as saudades que contam, que valem... E que não são ruins. Mesmo que permaneçam eternas... Porque o tempo as torna mais doces. Suportáveis... Provas vivas de uma vida vivida com amor.



11.08.2003

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

De uma amiga do coração...

OLHOS DE RAPOSA
Fabrício Carpinejar

Vicente cola seus olhos nos meus. Como uma luneta. O nariz frio é a ponta de seu dedo me reconhecendo. Com os rostos próximos, diz que tenho olhos de raposa. Enxerga uma raposa correndo de noite. - Já viu antes uma raposa? - Não, não preciso ver para saber como ela é. O amor é mesmo uma cegueira, desde que não se perca os ouvidos e a boca. Eu já sinto saudade dele mesmo quando estamos juntos. É uma falta antecipada. Ele não me entende. Busco explicar saudade para suas pupilas paradas de caçador. Saudade é não rasgar os selos das cartas na hora de abrir. Umedecê-los com o vapor da chaleira. Saudade, meu filho, é dormir com dois travesseiros para o corpo não doer pelo excesso da cama. Saudade é arrumar a mesa quando não jantaremos em casa. Saudade é esperar a ligação do avô que já morreu. Saudade é não jogar fora as meias que se desencontraram do seu par. Saudade é não organizar a bolsa ainda que não se encontre mais nada nela. Saudade é um poço artesiano coberto por uma tábua. Saudade é uma parede que descascou tangerinas. Saudade é errar o caminho quando se vai ao trabalho. Saudade é quando a gente esconde uma lembrança dentro de uma música. E a música dentro de uma lembrança. Saudade é adivinhar o tamanho do pátio pelo varal. Saudade é desamassar as roupas com as unhas. Saudade é tomar banho no escuro. Saudade é uma residência de verão com lareira. Saudade é abrir seu diário antigo e pedir ajuda para entender a letra. Saudade é um avental com as iniciais bordadas. Saudade é uma boina com cheiro de funcho. Saudade é pisar descalço na memória com medo de roseta. Saudade é lembrar do que que poderia ter acontecido antes de acontecer. Saudade é imitar o assobio de uma porta. Saudade é fechar o livro para que ele se abrace. Saudade é procurar o que não foi extraviado. Saudade é esquecer o que se falou com Deus. Saudade é saber a importância do que nunca se teve. Saudade é reconhecer um amigo da infância no filho. Saudade é sentar na escadaria de uma igreja só para suspirar os degraus que faltam. Saudade é parar diante de um mendigo com as mãos vazias. Saudade é lavar os cabelos do violão. Saudade é usar o cadarço para costurar duas ruas. Saudade é escrever o que se precisa ler. Ao entrar em seu quarto no dia seguinte, escuto sua conversa com a irmã Mariana. Ela o incomodava com tapinhas nos ombros e o enervava com apelidos. - Quando está longe, só penso coisas boas de você, Mariana. Não estraga a minha saudade.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

De Edgar Allan Poe

"A lembrança da felicidade
passada é a angústia de hoje"


“as amarguras
que existem agora têm sua origem nas
alegrias que podiam ter existido”


Ambas as frase são tristes, mas traduzem muito da dor de hoje.