sábado, 8 de novembro de 2008

Queridos...

Flutuam no passado
Vultos perdidos
Mas jamais esquecidos

Cada vulto um rosto
Um rosto amigo
Que nunca será essquecido

No passado, a companhia, a união
Laços feitos com nós cegos.
Vultos perdidos
Que ficaram para trás

O tempo passou,
Amigos queridos
Jamais esquecidos.

(poema de minha autoria, nos idos de 1995... no livro da turma do Científico:
Este livro não tem título... apenas sentimentos!)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Fernando Pessoa ...

Realidade

De Poemas de Álvaro de Campos


Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos...
Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isto —
Nesta localidade da cidade ...
Há vinte anos!...
O que eu era então! Ora, era outro...
Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...
Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!
Sei eu o que é útil ou inútil?)...
Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)
Tento reconstruir na minha imaginação
Quem eu era e como era quando por aqui passava
Há vinte anos...
Não me lembro, não me posso lembrar.
O outro que aqui passava, então,
Se existisse hoje, talvez se lembrasse...
Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro
De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!
Sim, o mistério do tempo.
Sim, o não se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...
Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma,
Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais
lembradamente de azul.
Hoje, se calhar, está o quê?
Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.
Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada...
Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,
Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,
Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.
Quando muito, nem penso...
Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,
Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.
Olhamos indiferentemente um para o outro.
E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,
E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.
Talvez isso realmente se desse...
Verdadeiramente se desse...
Sim, carnalmente se desse...
Sim, talvez...

"uma aprendizagem ou o livro dos prazeres"

Com a palavra, Clarice Lispector:
A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora, ela não tem o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no mar em simples jogo leviano de viver. Lóri está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização da Natureza. A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir, e agir sem se conhecer exige coragem.
Vai entrando. A água salgadíssima é de um frio que lhe arrepia e agride em ritual as pernas.
Mas uma alegria fatal — a alegria é uma fatalidade — já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seu mais adormecido sono secular.
E agora está alerta, mesmo sem pensar, como um pescador está alerta sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda — e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido secreto.
O caminho lento aumenta sua coragem secreta — e de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda! O sal, o iodo, tudo líquido deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo — espantada de pé, fertilizada.
Agora que o corpo todo está molhado e dos cabelos escorre água, agora o frio se transforma em frígido. Avançando, ela abre as águas do mundo pelo meio. Já não precisa de coragem, agora já é antiga no ritual retomado que abandonara há milênios. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar, e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão se endurecendo de sal. Com a concha das mãos e com a altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheias deágua, bebe-a em goles grandes, bons para a saúde de um corpo.
E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.
Agora ela está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe pelo sal, os olhos avermelham-se pelo sal que seca, as ondas lhe batem e voltam, lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto.
Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois já conhece e já tem um ritmo de vida no mar. Ela é a amante que não teme pois que sabe que terá tudo de novo.
O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer: quer ficar de pé parada no mar.
Assim fica, pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate, volta. A mulher não recebe transmissões nem transmite. Não precisa de comunicação.
Depois caminha dentro da água de volta à praia, e as ondas empurram-na suavemente ajudando-a a sair. Não está caminhando sobre as águas — ah nunca faria isso depois que há milênios já haviam andado sobre as águas — mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe opõe resistência à sua saída puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.
E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água, e sal e sol. Mesmo que o esqueça, nunca poderá perder tudo isso. De algum modo obscuro seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe — sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.
Lóri passara da religião de sua infância para uma não-religião e agora passara para algo mais amplo: chegara ao ponto de acreditar num Deus tão vasto que ele era o mundo com suas galáxias: isso ela vira no dia anterior ao entrar no mar deserto sozinha.
E por causa da vastidão impessoal era um Deus para o qual não se podia implorar: podia-se era agregar-se a ele e ser grande também.
Em compensação, já que não podia na dor deixar de implorar, aprendera de um dia para outro a implorar misericórdia e força a si mesma, pois ela não era tão vasta nem impessoal nem inalcançável.

Trecho longo, eu sei. Mas não havia como ser diferente. Apenas Clarice para explicar como se chega a esse ponto onde Deus é tudo, tanto que quase não mais existe como si mesmo. Faz parte de nós e nos deixa na mão: nunca mais será aquele ser que escuta todas as picuinhas e julga-as uma a uma, abençoa boas ações e distribui justiça no mundo. Não. Esse Deus já não existe mais. E isso não nasceu de uma decepção, de uma cisma. Nasceu do abrir os olhos para o mundo e entender... o quê eu entendi ainda é complicado demais para se fazer compreender!

Só o mar pode. Só o mar é imenso o suficiente para participar dessa epifania. Mesmo que eu não o veja há tanto tempo - só o horizonte, o som e o cheiro da praia podem ser cenário para tal compreensão. Apenas o sem fim completamente presente para preencher tantas lacunas e esperançar um momento de entendimento. Saudades do mar, do Oceano afinal, porque apenas o Atlântico já dividiu comigo esse encontro de minha alma e meus anseios. Quando o encontrarei de novo?!

Mantenaint, je suis...

sábado, 1 de novembro de 2008

assuntos de domingo






















Repito-me: após ler a Zero Hora de Domingo... Hoje, cheia de Nada na cabeça.
Dia de Finados - coincidentemente, só se fala em Nadismo, o movimento de Marcelo Bohrer. Mas quem consegue realmente não fazer absolutamente nada?
Talvez eu devesse começar, afinal a cabeça sempre cheia com algo as vezes sufoca mais que uma agenda cheia... Entretanto, de certa forma, o Nada já faz parte de minha vida há lagum tempo. E aqui não estou relembrando nenhum trocadilho meu antigo, estou, como Moacyr Scliar, falando do Nada Absoluto que ronda nossa existência ou de tudo que esse nada pode significar... o fim.
Existe algo além da vida que conhecemos? Após a morte do corpo? Perguntas sem respostas e sempre presentes. Não sou a pessoa correta para abordar esse assunto, ainda mais flertando de perto com o ateísmo. Mas já me deparei com longas tardes no Clínicas destrinchando as diversas possibilidades do fim.

Com tudo o que passou, só sei que existe a saudade e que dessa não nos livramos, até o nosso próprio fim. Essa presença constante nos pensamentos que embota muitas cores e colore tantos cinzas... hoje em dia, tenho mais vontade de chorar por nada, que antes.
Ainda assim, vale mais a pena a mente cheia com doloridas lembranças do que um coração onde reine um Nada Absoluto...