segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

De uma amiga do coração...

OLHOS DE RAPOSA
Fabrício Carpinejar

Vicente cola seus olhos nos meus. Como uma luneta. O nariz frio é a ponta de seu dedo me reconhecendo. Com os rostos próximos, diz que tenho olhos de raposa. Enxerga uma raposa correndo de noite. - Já viu antes uma raposa? - Não, não preciso ver para saber como ela é. O amor é mesmo uma cegueira, desde que não se perca os ouvidos e a boca. Eu já sinto saudade dele mesmo quando estamos juntos. É uma falta antecipada. Ele não me entende. Busco explicar saudade para suas pupilas paradas de caçador. Saudade é não rasgar os selos das cartas na hora de abrir. Umedecê-los com o vapor da chaleira. Saudade, meu filho, é dormir com dois travesseiros para o corpo não doer pelo excesso da cama. Saudade é arrumar a mesa quando não jantaremos em casa. Saudade é esperar a ligação do avô que já morreu. Saudade é não jogar fora as meias que se desencontraram do seu par. Saudade é não organizar a bolsa ainda que não se encontre mais nada nela. Saudade é um poço artesiano coberto por uma tábua. Saudade é uma parede que descascou tangerinas. Saudade é errar o caminho quando se vai ao trabalho. Saudade é quando a gente esconde uma lembrança dentro de uma música. E a música dentro de uma lembrança. Saudade é adivinhar o tamanho do pátio pelo varal. Saudade é desamassar as roupas com as unhas. Saudade é tomar banho no escuro. Saudade é uma residência de verão com lareira. Saudade é abrir seu diário antigo e pedir ajuda para entender a letra. Saudade é um avental com as iniciais bordadas. Saudade é uma boina com cheiro de funcho. Saudade é pisar descalço na memória com medo de roseta. Saudade é lembrar do que que poderia ter acontecido antes de acontecer. Saudade é imitar o assobio de uma porta. Saudade é fechar o livro para que ele se abrace. Saudade é procurar o que não foi extraviado. Saudade é esquecer o que se falou com Deus. Saudade é saber a importância do que nunca se teve. Saudade é reconhecer um amigo da infância no filho. Saudade é sentar na escadaria de uma igreja só para suspirar os degraus que faltam. Saudade é parar diante de um mendigo com as mãos vazias. Saudade é lavar os cabelos do violão. Saudade é usar o cadarço para costurar duas ruas. Saudade é escrever o que se precisa ler. Ao entrar em seu quarto no dia seguinte, escuto sua conversa com a irmã Mariana. Ela o incomodava com tapinhas nos ombros e o enervava com apelidos. - Quando está longe, só penso coisas boas de você, Mariana. Não estraga a minha saudade.

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